segunda-feira, 15 de junho de 2009

Acadêmico fala sobre evolução do cristianismo na China na atualidade


Sabe-se que existem grupos independentes face à igreja oficial do Governo chinês, mas quem são? Como se formaram? O que os diferencia das instituições controladas pelo regime? Tudo o que há para saber sobre o cristianismo na China, o professor Lian Xi sabe. O especialista em religião chinesa do Hanover College, nos Estados Unidos, esteve na Universidade de Macau, na semana passada, para falar sobre a sua pesquisa sobre a evolução do cristianismo popular na China. O mesmo que é a base das igrejas não registadas, mas que pode ser fundamental para o desenvolvimento da religião no país. Em entrevista ao Hoje Macau, Lian fala ainda sobre a possibilidade de aproximação entre Pequim e o Vaticano.

Alexandra Lages

HM – “Resgatado pelo fogo: a formação do cristianismo popular chinês no século XX” é o título do seu novo livro, que vai ser lançado em breve. De que se trata?
LX - É uma abordagem das diferentes tendências do cristianismo popular na China e as suas componentes. Este não é um movimento bem coordenado. Pelo contrário, é bastante fragmentado, mas é possível estabelecer algumas características comuns. Algumas das seitas chinesas indígenas que se formaram no século XX e os pregadores que surgiram nessa altura continuam a ter alguma influência na formação do cristianismo dos nossos dias na China. Quando falo em formação, falo num sentido de gerar e desenvolver.

Qual é a diferença entre o cristianismo popular chinês e o cristianismo ocidental?
O cristianismo entrou na China através de missionários ocidentais. Nos primeiros cem anos, era entendido como uma religião estrangeira e missionária. No entanto, o que descobri é que o que, na realidade, conseguiu formar raízes no país não foi esse tipo de cristianismo, mas sim outra forma indígena e popular. Este movimento tende a ser formado por grupos independentes, não afiliados às missões, rejeitando-as. Isto foi antes de 1949. Depois da implementação da República Popular da China, foi criada a Associação Igreja Patriótica Cristã Chinesa e o protestante Movimento Patriótico das Três Autonomias, que funcionam sob a supervisão e controlo do Governo Central. No entanto, a verdadeira energia do cristianismo na China não vem dessas igrejas, mas de grupos independentes. E são esses grupos, oriundos de antes e depois de 1949, o meu objecto de estudo. São distintos do cristianismo missionário e daquele estabelecido como oficial pelo Governo comunista.

Defende que esses grupos podem influenciar o futuro do cristianismo na China. Como?
Como historiador, posso estudar o passado, mas não prever o futuro. No entanto, há certas características que vemos hoje em dia nesses grupos independentes que podem influenciar e formar a direcção do cristianismo na China. Para começar, há uma tendência para o nacionalismo. Antes de 1949, no período republicano, muitos grupos independentes tinham tendência para rejeitar as missões estrangeiras, declarando-as como corruptas e aproximando-os de uma cristandade original e incorruptível. Acho que esta característica vai prolongar-se no futuro, pois coloca os chineses no centro de uma espécie de plano divino. Mas, mais importante do que isso, é o que chamo de tendência messiânica. Há uma preocupação intensa com o fim do mundo, uma tese apocalíptica. Isso pode ser o resultado de uma desilusão face às reformas feitas no país. Durante várias décadas, com o colapso do imperialismo, a China passou por um caos político, dando várias razões para as pessoas ficarem completamente desiludidas com esta realidade e olharem para uma nova era, profetizando a chegada de um novo mundo. Esta tendência manteve-se com o regime comunista. Depois de 1949, o cristianismo era associado ao imperialismo americano e houve hostilidades e repressão por parte do Governo. Isso criou uma espécie de atitude anti-poder estabelecido, que se traduz em desespero e esperança em transformar este mundo, que parece estar nas mãos de uma força satânica.

É essa atitude que complica a vida a estes grupos...
Absolutamente. Criou uma espécie círculo viciado, onde temos a repressão do Governo contra esta oposição, que vê o mundo como corrupto e que encara a vinda de um segundo messias como a única maneira de o salvar.

Como é que estes fiéis que rejeitam a igreja oficial chinesa conseguem praticar a sua religião?
Há dois tipos de cristianismo na China. Nas igrejas oficiais, podemos dizer que a religião é tolerada. Quanto aos que rejeitam esta corrente, praticam em igrejas não registadas, que funcionam em regime clandestino. A maior parte dos observadores acreditam que estas igrejas tenham mais seguidores do que as oficiais e eu concordo. Há diferentes tipos de experiências e variedades regionais. Nas cidades costeiras, parece haver mais tolerância face a estes movimentos do que nos locais rurais mais remotos, onde há repressão. A par disso, o Governo chinês já designou várias redes de igrejas independentes como heréticas ou diabólicas. Assim que ganham este tipo de rótulo, têm que lidar com uma forte repressão.

Há várias versões quanto ao número de praticantes nestas igrejas não registadas. Quais são as suas estimativas?
É praticamente impossível estimar, visto que são grupos clandestinos. A igreja oficial afirmou que, em 2006, existiam cerca de 16 milhões de protestantes. De acordo com um estudo orientado por sociólogos de Xangai, em 2005, concluiu-se que o número de protestantes e católicos pode atingir os quarenta milhões de chineses. A minha estimativa é que a população protestante seja provavelmente superior a cinquenta milhões, enquanto os católicos oficiais chegam aos 5,3 milhões. É interessante que a Associação da Igreja Patriótica Católica da China estime que os fiéis das igrejas não registadas, que aceitam a autoridade do Papa, sejam cerca de 12 milhões, um número muito superior aos fiéis da igreja oficial.

Quanto à igreja católica na China, há quem defenda que Macau pode ter um importante papel na aproximação entre Pequim e o Vaticano. Qual é a sua opinião?
Os meus estudos focam-se mais na igreja protestante. Mas, pelo que sei, Hong Kong tem tido um papel importante nessa aproximação. É possível que ambos os lados – Vaticano e Pequim – possam fazer um bom uso destas duas regiões, como plataformas. Contudo, também vejo dificuldades significativas, que já são antigas. Estamos a falar de dois sistemas de autoridade separados que tentam chegar um acordo que satisfaça ambas as partes. Não vejo possibilidade das autoridades chinesas aceitarem qualquer tipo de autoridade repartida sobre os católicos. No fim, o Governo vai insistir em ter o controlo. As partes podem normalizar as relações diplomáticas, mas o certo é que essa esperança tem florescido ao longo de tantos anos e nada de novo aconteceu.

fonte: http://www.hojemacau.com/news.phtml?id=34863&type=society&today=15-06-2009

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